QUADROS DA MINHA TROPA

Depois de consultar uma data de dicionários e enciclopedias, fiquei a saber que o Manguço, ou Mangusto, é um animal carnívoro que se farta, de corpo esguio que se prolonga por uma cauda triangular, focinho alongado munido de 40 dentes afiadissimos, pelagem farta e listada, que vive principalmente na Africa e na Asia, e é primo dos furões. Tem como caracteristica especial o apreciar sumamente os ofídios, desde as inofensivas cobrinhas orfãs ás cobras capelo cuspideiras, etc.
Quando lê nos jornais, vê na TV , lhe falam numa cobra ou lhe detecta o cheiro, o Manguço, num frenesim, desarvora á cata dela. Quando a avista, aproxima-se, e ensaia então uma espécie de desafio de esgrima, com passinhos em frente e saltinhos para trás, ou para os lados, tudo isto acompanhado de assopradelas tipo gato assanhado e espirros nervosos, coisas que a cobra procura responder com botes rápidos e movimentando a cabeça e o corpo de maneira a ficar sempre de frente para o seu figadal inimigo. Em dado passo deste torneio-assalto-bailado trágico, o Manguço ataca a fundo, fulminantemente, abocanhando a cobra pelo cangote. Passa-lhe a guia de marcha para o astral com uma limpeza impressionante e depois com um sorriso nos lábios, chama-lhe um figo ali mesmo, sem temperos ou sequer um copo de tinto para acompanhar.

Ora, as unidades militares que no decorrer das guerras de 1961/1974 que seguiam para as Àfricas, adoptavam em geral um simbolo, por vezes um lema, aquele constituido muitas vezes por um animal já com determinado tradicional. Estes simbolos e lemas tinham uma grande influencia psicológica, e portanto moral, sobre as tropas. Lembro-me, como caso talvez mais expressivo, de um batalhão em Angola cujo simbolo era a palavra e a ideia de AÇO. Quando partia para operações, a pé ou durante algum tempo em viaturas, o Comandante punha-se ao lado do caminho, lá á frente, e mandava a trpa avançar. E a cada pelotão ou viatura que por ele passava, ele perguntava, com voz de estertor ; "que vai aí ?" ; e a malta respondia com arreganho ; "vai o aço" . Até os nativos o conheciam por, "o Batalhão do Aço".
Outras unidades eram : Lobos - Leopardos - Vampiros - Pumas - Àguias - Vespas - Abelhas - Lacraus - Trinca Turras - etc. etc.
Este nome e desenho foi apresentado por um grupo de sargentos, visto um deles ter um manguço em corpo e alma no seu quarto (acho que era o Merlim), e o Comando do Batalhão, de que eu era oficial de operaçoes e informaçoes, aprovou e escolheu como seu simbolo, precisamente, o dito cujo Manguço.
E lá se vê no guião da unidade, ou nas suas miniaturas, um mapa de Angola com um manguço na regiao do Quitexe, coraçao da regiao do café, a filar pelo pescoço, uma grande cobra.

E , Manguços , ficamos todos a ser, não apenas durante a permanencia em Angola, mas tambem pela vida fora. Porque se a Unidade , cumprida a sua missão, passou á historia, os Manguços continuam bem vivos e unidos.
Dois anos de vida intensamente vivida em Àfrica, mais os meses precedentes de instruçao, criaram laços de camaradagem que deram lugar a amizades muito sólidas. Como é que a rapaziada, dispersada, regressada a penantes, ás familias, aos empregos, aos amigos, á televisao e ás "bicas", podia virar costas uns aos outros, como se nada tivesse acontecido nas suas vidas durante cerca de 3 anos ?
Por isso, e pouco antes do regresso, uns tantos começaram a tomar nota das moradas uns dos outros, para cá se reencontrarem.
E foi assim, que um grupo do Porto, outro de Lisboa, outro de Coimbra, passaram a reencontrar-se de vez em quando, primeiro regionalmente, mas depois em confraternizações conjuntas.


Mais um texto do nosso - Ten. Cor. Rui de Freita Lopes