sábado, 25 de outubro de 2008

Ser Manguço

Ser Manguço foi ver desfilarem perante si, como cenas de um filme, pedaços de vida em que se misturavam e se sucediam mil coisas diversas: um camoflado desbotado; uma G3 sempre à mao de semear; horas e horas, dias, seculos; em cima de uma incómoda GMC, uma Berliet, um Jipão, um Land Rover, ou empoleirado num incrível Unimog, sob nuvens espessas de poeira ou patinando perigosamente em cada palmo de picada enlameada; caminhar penosamente através de capim, ora verde e tenro como uma seara de trigo verde, ora seco, duro e agressivo como um milheiral maduro, afastando-o com as mãos como quem nada; atravessar uma mata fechada, onde às vezes não se avistava uma nesga de céu; a preparação das operações, a progressão para o objectivo, e depois a arrancada final, após pesada e angustiante espectativa, em que cada ruído, o rufar de uma asa de ave, o estalar de um ramo, enchiam o corpo de suor e estremecimentos; o esgotante regresso ao local de reembarque nas viaturas ou nos helicopteros; para daí a dois ou tres dias, talvez até horas, tudo recomeçar, num círculo infernal.

Texto tirado do livro " Manguços e outros " do Ten. Cor. Rui de Freitas Lopes.

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